Monday, October 15, 2007

E o nosso sistema de saúde?

Hoje, infelizmente, tive que me despedir para sempre da minha última bisa. Pois é, eu que cresci numa família jovem (minha avó materna já tinha sete filhos aos 25 anos) e tive a oportunidade de conviver com três das quatro bisas que temos. Biso só conheci um, confirmando que a expectativa de vida feminina ainda supera a masculina (e nós que somos o sexo frágil!). Não estou acostumada a perder pessoas próximas, parentes ou amigos. E, não, esse post não é para ficar lamentando, mas para me ajudar a entender e refletir sobre a situação desse país, em contraste com o meu futuro. Antes de tudo, deixo claro que não sou de espernear diante da morte porque entendo que ela faz parte da vida e é a nossa única certeza ao longo dela.

Vamos à reflexão, então. Muitos brasileiros quando resolvem imigrar pro Canadá se preocupam, depois do frio, claro, com o sistema de saúde canadense. Minha "sogra-to-be" mesmo toda vez que tem oportunidade fala para nós pensarmos nisso e, bem no início da idéia, fez questão que assistíssemos ao filme Inavasões Bárbaras. Pois bem, minha bisa tinha um plano de saúde, o que já dá um alívio enorme em saber que ela não teve que enfrentar nossos maravilhosos hospitais públicos. Só que, infelizmente, ela não tinha O melhor plano de saúde, era um comum, simples, mas que garantia o atendimento e a internação sempre que ela precisasse.

Pois bem, há pouco mais de 20 dias, minha bisa, que sempre foi muito saudável, teve um AVC. Isso acontece, né? A idade vai chegando e os problemas vão mesmo aparecendo. Um dos netos dela levou-a correndo para a clínica mais próxima que atendesse ao seu plano. Lá, ela foi atendida e ficou internada. No dia seguinte ela já estava bem melhor, mas o médico, no exame físico, percebeu o que depois descobrimos ser um tumor na sua barriga. Um tumor que ela explicou que já sentia há tempos, mas nunca pensou que fosse nada. Um tumor que nunca se manifestou. Um tumor que nós ainda nem temos o resultado da biópsia para saber se era maligno ou benigno. Agora não importa mais.

Os médicos disseram que era preciso tirar aquele tumor o quanto antes porque ele poderia se desenvolver e causar problemas. Não sei se já mencionei, mas minha bisa já tinha pra lá dos 85 anos. Eles explicaram que a cirurgia era muito complicada e arriscada, mas que não tinha outra opção, era preciso retirá-lo. Eu não sei se vocês prestaram atenção no parágrafo anterior, mas o tumor nunca tinha apresentado qualquer sintoma. E minha bisa tinha acabado de sair de um AVC!

Levou uma semana pro plano de saúde autorizar a cirurgia. Durante todo esse tempo minha bisa estava lúcida, conversando, dizendo o quanto queria ver a luz do sol porque as janelas da clínica eram escuras e ela ficava sem saber quando era dia e quando era noite. A última vez que ela conversou com meu pai ela disse que ainda não queria morrer, que ainda não estava na hora. Mas, enfim, o plano de saúde, finalmente, autorizou o procedimento e os médicos submeteram a mulher que era a minha avó duas vezes a uma cirurgia que mesmo uma pessoa com a minha idade teria um bom trabalho para se recuperar.

Só que ela era diabética e, claro, os médicos sabiam disso. Ela, aparentemente, se recuperou bem dessa primeira cirurgia e passou mais uma semana no hospital. Nesse tempo, ela começou com uma infecção e, como era de se esperar, pneumonia. Ela estava na Clínica, na UTI. E mesmo assim levaram uma semana para perceber que a cirurgia não havia cicatrizado. O médico precisou ver vestígios de fezes saindo pela cicatriz externa para tomar uma providência. Imediatamente levou ela para outra cirurgia, dessa vez, de emergência, só para ter certeza que o estrago já era enorme aquela altura.

Depois disso ela não voltou mais. Saiu de lá entubada e daí foi ladeira abaixo. O rim parou, os pulmões pioraram e o coração começou a falhar. Ontem, no horário da visita, ela faleceu. Eu, infelizmente, não pude encontrar com ela acordada ainda porque ela foi internada na mesma época que eu estava com pneumonia, então uma visita teria piorado tanto a minha, quanto a situação dela. Na sexta, eu fui lá. E vocês não têm idéia do lugar. E não era um hospital público! A UTI era uma grande sala com camas uma ao lado da outra e uns três ou quatro enfermeiros sentados no meio. Isso para atender a uns 10 ou 15 pacientes. E não tinha um médico, apenas enfermeiros para dar conta de toda aquela gente debilitada, precisando de cuidado e atenção para se recuperar.

Os visitantes tinham que lavar a mão, mas era uma torneira normal (nesses casos, é mais indicado um tipo de torneira que você não usa a mão para abrir e fechar), a saboneteira desmontava na sua mão e o sabonete, bem, nem preciso comentar. O papel para secar era aquele reciclado comum. Depois de lavar as mãos, o visitante tinha que procurar seu parente entre as camas. Nem preciso dizer como isso é desagradável, né?

O que dá vontade de espernear é que ela morreu sem ver o sol como ela queria, sem ver os tataranetos que ela sonhava. Tudo bem que ela já era idosa, mas, não, não estava na hora. E isso tudo porque resolveram fazer uma cirurgia que, pelo menos na minha ignorância, não tinha nada de urgente. Ainda que ela fosse realmente necessária, por que ela não podia voltar para casa, terminar de se recuperar do AVC e da semana hspitalizada e, então, se preparar para um procedimento desses? E fazer essa cirurgia num hospital maior, mais estruturado, com um médico que já conhecesse ela?

No final de setembro, quando Julio e eu ficamos doentes, também precisamos lidar com alguns problemas e nós temos os melhores planos de saúde. Tanto ele, quanto eu fomos diagnosticados com "virose" (que parece ser o diagnóstico padrão atualmente), apesar de já estarmos com pneumonia. No caso dele, chegaram até a tirar o Raio-X, que já tinha a imagem da pneumonia, mas ainda assim não diagnosticaram. No meu caso, apesar dos meus relatos, o médico nem quis fazer o exame, disse que era virose e pronto, pra eu tomar vitamina C. Só para registrar, ele foi atendido no Hospital Samaritano (com fama de ser o melhor do Rio) e eu fui ao Quinta D'or.

Não sei se fazem isso por incompetência, negligência ou simplesmente isso é consequência das condições de trabalho a que são submetidos. Seja como for, no nosso caso, isso nos custou uns dias a mais de recuperação. Mas no caso da minha bisa, isso custou a vida dela e o sofrimento de uma família inteira! Me perguntou se no tão mal falado (por alguns) sistema de saúde canadense essas situações teriam acontecido. E pensar que ainda pagamos - muito caro - para receber esse tipo de atendimento aqui!

6 comments:

Anonymous said...

Puxa Camila, que coisa triste... Meus sinceros sentimentos pra você e para sua família. A pergunta é essa aí: "E o NOSSO sistema de saúde?" A sensação é de que há uma total falta de compromisso, de que alguns profissionais de saúde são negligentes e não se importam com as pessoas.

Espero que você se recupere logo desse baque, pra poder seguir em frente com os preparativos do casamento.

Um beijo,


Andréa

Sandra Vicente said...

Triste mesmo. Tudo parece tão comercial e pouco profissional, né?
Meus sentimentos.

Sergio said...

Sinto muito pela sua bisa. A gente nunca está preparado para perder alguem querido mas é revoltante quando sentimos que poderia ter sido evitado.
Aqui em São Paulo a coisa não é melhor, não. Quando nasceu a Luísa teve icterícia, passou uma noite em banho de luz e foi liberada. Eu a achava amarelada mas a pediatra liberou e eu não discuti. Na primeira consulta com o pediatra levamos um susto. O medico (de nossa total confiança) mandou que a internássemos imediatamente porque ele achou que o nivel de bilirrubina dela devia estar muito alto. Fomos então com um pedido de internação para o Hospital São Luiz e nos mandaram para o pronto socorro.
A Luísa tinha apenas 1 semana e foi mandada para o pronto socorro junto com dezenas de pessoas com todo tipo de doença, mesmo tendo um pedido expresso do médico (cadastrado no hospital) de que ele deveria ser internada imediatamente.
Depois de brigar muito conseguimos que ela fosse avaliada por um pediatra que nos aconselhou a esperar o resultado dos exames na lanchonete porque tinha menos gente (um bebê de 1 semana na lanchonete?). A internação da Luísa foi autorizada somente 5 horas depois e o banho de luz ainda demorou mais 2 horas pra ser iniciado. E todo esse tempo sem sabermos qual o nivel da bilirrubina e qual o risco que ela corria. Uma vergonha!

Eu não acredito que o Canadá consiga ter um sistema de saude pior que estes.

Marilena

Anonymous said...

Sinto muito por tudo... tem nem o que dizer...

Espero mesmo que no Canadá seja diferente, mas não vou esconder que fico bem receosa vendo os casos das pessoas que saem do hospital com um tylenol, apenas, na mão.

beijos,
Mari

:: ultranol :: said...

Meus sentimentos.

Mas que é um absurdo que o nosso sistema de saúde PRIVADO esteja nesse nível, é. É ridículo, mas, nesse mês mesmo eu quis pagar uma consulta fora do meu plano de saúde porque sei que se for pelo plano, o atendimento vai ser um lixo. Ou seja: pagamos pela saúde pública (impostos altos), plano de saúde e ainda consultas extras! TRÊS VEZES! E olha que meu plano de saúde ainda é um dos melhores.

Cecilia Brandao said...

Oi Camila,
Puxa, que triste!! Fiquei extremamente emocionada e as lágrimas teimaram em cair... Meus sinceros sentimentos...
Aqui o sistema de saúde é bem diferente. Temos que nos acostumar e isso não é assim tão fácil, mas acho que este não é o momento para falar disso....

Um forte abraço para você...

Cecilia

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